Um olhar de esperança na segurança pública
Protesto do Rio de Paz reproduz na orla a cena do carrinho com cadáver da guerra do tráfico
Na área de segurança pública e criminalidade, no Rio, o ano de 2009 foi marcado por mais tragédias e notícias tristes, como tem ocorrido nas últimas quatro décadas. Como se sabe, a violência urbana e policial não é um problema deste século. Mas esse ano registrou fatos que nunca mais sairão de nossa memória: um helicóptero da PM derrubado a tiros por traficantes, resultando na morte de três policiais e numa sequência de confrontos com mais de 40 mortos; um líder comunitário do AfroReggae, que ajudava a salvar vidas, assassinado por salteadores numa esquina escura e vazia do Centro, com a cumplicidade de policiais militares; um chefe de milícia, ex-PM, escapando pela porta da frente do presídio e dando entrevista pelo Youtube; um cotidiano de confrontos nas favelas, que deixou cem mil alunos sem aulas, vítimas de balas perdidas, famílias destruídas.
Em meio a esse lamaçal da segurança pública, surgem dois lírios que podem nos dar alguma esperança, por parte do poder público e da sociedade. Um é a política de pacificação de favelas, com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, que livraram do jugo de traficantes armados cerca de 180 mil pessoas. O outro é o movimento Rio de Paz, que luta pela redução de homicídios no estado. Desde seu início em 2007 a ONG conta com o apoio desse blog basicamente por três motivos: é um movimento a favor da vida, contra qualquer tipo de violência e sintonizado com os novos tempos em que direitos humanos devem ser estendidos a todos e não apenas às vítimas dos agentes do Estado. Embora não faça mais do que sua obrigação, o Rio de Paz com seus protestos nunca levou transtorno para a cidade e nem insultou autoridades nessas manifestações. A ONG tem objetivos exclusivamente pacíficos. Tanto assim que esta semana foi aprovada sua filiação à Organização das Nações Unidas (ONU) (ver post abaixo).
Enquanto o governo do estado aposta no projeto das UPPs com toda sua máquina de propaganda, num ano pré-eleitoral, não podemos deixar de registrar, no início da retrospectiva do blog, que termina amanhã, os primeiros frutos colhidos pelo Rio de Paz, depois de semear esperança, mobilização e protestos inteligentes e inéditos, que ganharam o mundo, seja a partir da orla ou de favelas encravadas na Zona Norte, locais onde fica a sensação de que, às portas a segunda década do século XXI, o Brasil não saiu do cenário de dois séculos atrás.
Muito provavelmente nenhuma área do governo do estado recebeu este ano tanta pressão como a da segurança pública. E nisso a ONG Rio de Paz teve um trabalho primoroso. Tanto assim que foi reconhecida pelo próprio governo.
"Sabemos que vocês são uma ONG do bem", disse o secretário de segurança do Rio,José Mariano Beltrame, num debate com o líder do Rio de Paz, Antonio Carlos Costa, na Barra da Tijuca.
- Apesar de toda a pressão do Rio de Paz sobre o seu trabalho, o secretário de Segurança sabe que não temos envolvimento com o crime, que não temos vínculo político-partidário, que não queremos o fracasso do governo Sérgio Cabral e que temos como nosso único inimigo a obscenidade das mortes violentas - afirmou Antonio Carlos Costa, em entrevista ao blog REPÓRTER DE CRIME.
Da primeira manifestação, em 2007, a um gesto de carinho com os moradores de Manguinhos (abaixo)
Moradores da Favela Mandela recebem a visita de Papai Noel na forma de voluntários do Rio de Paz
A meu pedido, Costa enviou uma lista de resultados obtidos pela ONG no ano de 2009. Muita coisa parece iniciativa exclusiva do governo do estado. Mas, nos bastidores, a gente sabe que o governo acaba adotando políticas a partir de sugestões e críticas.
Saiba onde teve o dedo do Rio de Paz na área de segurança pública no Rio:
1) Apresentação de meta de redução de homicídio por parte da Secretaria de Segurança Pública.
2) Ocupação das favelas do Rio dominadas por facções criminosas.
3) Maior rapidez na apresentação do dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).
4) Pesquisa sobre os desaparecidos.
5) Envio de projeto de lei para a Alerj que torna obrigatória para a Seseg a apresentação de suas metas e planejamento (ainda não foi votado, está nas mãos do Marcelo Freixo).
6) Levar o debate sobre segurança pública para as universidades e escolas públicas.
7) Conferências sobre segurança pública em parceria com a ONU (4) chamando os mais diferentes representantes da sociedade civil para a busca de melhor esclarecimento sobre o tema da segurança pública.
8) Envolvimento de um número bem maior de pessoas. O movimento cresce em quantidade e qualidade de seus integrantes.
9) Mudanças na Polinter de Neves (presos tratados com o mínimo de dignidade, solidariedade aos policiais civis, tratamento de doenças, higienização das celas, compra de material de limpeza, doação de roupa, tratamento dentário). O Rio de Paz conseguiu levar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lá dentro, a Secreetaria de Administração Penitenciária (Seap) recebeu 600 presos das prisões da Polinter, ficou estipulado que os recapturados não ficaram mais na Polinter, reforma do espaço físico - com os presos pela primeira vez, em breve, tendo acesso a banho de sol.
10) Classe média rompe a barreira e vai à favela. A chegada em Manguinhos foi a primeira manifestação da classe média dentro de uma favela em apoio a uma família pobre que perdera um filho assassinado, o jovem Rafael. Como resultado da manifestação, a família ganhou uma casa para morar, doada pela prefeitura do Rio.
11) Natal de 500 crianças de Manguinhos.
12) Indenização do Estado à família do Paulo Roberto (pai do João Roberto) visando pagamento de tratamento psiquiátrico.
13) Pressão inédita nas ruas (não-espasmódica). Mais de 40 manifestações em três anos, incluindo São Paulo, Recife, Brasília e Belo Horizonte.
Repórteres e fotógrafos produzem as imagens dos protestos do Rio de Paz, que ganham o mundo
14) Repercussão no exterior por meio do trabalho de todas as agências internacionais de notícia e dos meios de comunicação brasileiros, exercendo pressão sobre o poder público que certamente preservou vidas.
15) Diálogo com todos os setores da sociedade: parentes de vítima, Polícia Civil (Antonio Carlos Costa foi recebido pelo chefe, Alan Turnowski), Polícia Militar, meios de comunicação, academia, universidades, narcotraficantes presos.
16) O Rio de Paz demonstrou capacidade de reconhecer publicamente os sucessos da Secretaria de segurança.
17) Apoio a todas as vítimas. A ONG protestou contra morte de morador de favela, de turista, policial, vítimas de várias classes sociais.
18) A ONG apoiou dezenas de parentes de vítima, até mesmo financeiramente. O líder Antonio Carlos esteve em enterro, hospital, delegacia, QG da PM, favela, gabinete do governador, gabinete do secretário de segurança, Gabinete do vice-presidente José Alencar, praia, Cinelândia, Alerj, Aterro, Maracanã, Esplanada dos Ministérios, Praia da Boa Viagem (Recife), Praça do Papa (BH), Viaduto do Minhocão (SP).
Sem verba pública.
19) Enorme heterogeneidade entre os voluntários.
20) A ONG conseguiu levar a classe média a discutir direitos humanos, mas não querendo folga para assassino e lutando pela dignidade do policial.
21) Apresentação desde 2007 de um plano (já entregue ao governador) de redução de homicídio (plano estabelecido com base em diálogo com os melhores especialistas sobre o tema, entre eles, usted!).
Realização do primeiro debate sobre segurança pública com a participação dos candidatos à prefeitura do Rio.
22) Placar da violência, que infelizmente foi mal compreendido pelo prefeito Eduardo Paes, e retirado da Praia de Copacabana, onde a prefeitura fixou depois o Lixômetro, para medir a quantidade de lixo jogada pelos banhistas.
23) Abaixo-assinado na Alerj em apoio à carta do Rio de Paz enviada ao governador Sérgio Cabral (a maioria assinou, 47 de 70), que por sinal ainda não respondeu.
Post Scriptum: O Blog Repórter de Crime continua aceitando até hoje à noite, pelo email reporterdecrime@globo.com , textos de 20 linhas dos leitores sobre os fatos que marcaram 2009 na área de segurança. Eles serão publicados na edição de amanhã.
Fotos de Pierre Yves e David Romer (Blog Rio de Paz)
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