O Rio de Janeiro celebrou ontem com
justeza o passo que faltava para a pacificação da Rocinha, comunidade pobre que
encontrava-se sob domínio territorial armado de facção criminosa. Ao mesmo
tempo, bem distante da favela incrustrada num bairro nobre da cidade, era
celebrada em Mesquita a missa de sétimo dia pela morte do policial militar
Diego Bruno Barboza Henriques, que teve sua vida interrompida, na própria Rocinha, ao levar um tiro no rosto, enquanto fazia, por volta da meia-noite, o
patrulhamento a pé no alto do morro numa viela escura. Diego faria 25 anos de
idade no próximo domingo.
É importante que a nossa cidade
ouça o que ouvi ontem na igreja. Hellen, inconsolável, falava do amor pelo
companheiro com quem vivera por oito anos. Os dois irmãos do Diego Bruno
lamentavam a mais recente dor vivida pela família. O pai, policial militar,
assassinado há 17 anos, deixou para a família pensão no valor de um salário
mínimo, administrado pela mãe, morta em fevereiro deste ano aos 59 anos de
idade, vítima de AVC. Foram anos de luta para sozinha manter os três filhos com
dignidade.
Os irmãos contam que o Diego seguia
a carreira de policial por paixão, resultado da influência do pai e dos tios,
todos policiais militares. Ele costumava dizer que seu sonho era honrar a farda, seguindo, no seu modo de pensar, a tradição da família. Diego estava feliz. Acabara de entrar na polícia militar e sentia-se cumprindo importante função social.
Policiais militares, que pediram para não ser identificados, também me procuraram para expressar sua indignação. Um deles
falou de haver recebido telefonema recente do Diego, que dizia estar dentro de
uma viatura, em São Gonçalo, e atônito expressava não
compreender a razão de o haverem enviado para município da região metropolitana
do Rio que lhe era completamente estranho. Um policial militar jovem e que trabalha
numa UPP também desabafou, procurando comunicar o sentimento que julga estar presente em muitos colegas de
trabalho, recrutas recém chegados ao complexo ambiente de comunidade ocupada pelas
forças policiais. Segundo ele, rapazes bastante jovens, entre 18 e 30 anos de idade, mal
preparados, inexperientes, sem monitoramento de policiais mais maduros e
pessimamente remunerados. Um deles disse: “nem arma eu tenho. Subo a favela supostamente pacificada desarmado. Faço meu caminho para o batalhão pedindo a Deus para que
nenhum bandido faça meu carro parar e descubra a farda que mantenho escondida
debaixo do banco. Há informações seguras de que a facção criminosa que opera naquele lugar acabou de receber um carregamento de fuzil”.
Um policial militar tarimbado, que
serviu durante 20 anos na Baixada Fluminense, disse ter estado
presente no enterro do Diego. Chamou-lhe a atenção o semblante de terror dos
recrutas jovens presentes no funeral, que pareciam pressentir, devido à sua
vulnerabilidade, ser os próximos a tombarem pelo sonho da pacificação.
Ao sair da igreja conversei com um
dos irmãos, que aguarda ser convocado pela Polícia Militar. Ele expressou acreditar que essa é uma
forma de servir ao seu país. Fiquei a pensar. Sem esses homens nas ruas o Rio
de Janeiro não vive. Os conflitos inevitáveis de uma cidade tão socialmente
desigual, acabam, em parte, tendo que ser administrados lá na ponta por
esses bravos policiais, que lidam, diariamente, tanto com ameaças concretas à sua vida, quanto com conflitos éticos que desafiam os códigos morais dos seres humanos mais
conscienciosos.
Diego Bruno morreu. Sinceramente,
eu creio que esses anos de sangue e aço vividos por nós, darão lugar a
um Rio de Janeiro menos desigual e sem tantas mortes.
Tenho, contudo, duas dúvidas: até quando permitiremos que nossos profissionais da
segurança pública trabalhem em condições tão subumanas? Quando a paz triunfar,
a vida vencer a morte, a razão sobrepujar a irracionalidade, as palavras do Profeta Gentileza estiverem registradas nos nossos corações como estão nas
pilastras de cimento do viaduto da perimetral e a justiça se tornar mais visível na nossa cidade do
que o Corcovado, nos lembraremos que numa noite de inverno de 2012 um jovem
policial derramou seu sangue pela pacificação do Rio de Janeiro?
É assim que se constrói a democracia. Dando subsídios para que pessoas envolvidas em atividades de grande relevância social possam trabalhar e honrando a memória de quem serviu a sociedade com despreendimento, sacrifício pessoal e integridade.




Texto e fotos: Antônio C. Costa (fundador do Rio de Paz)
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